Ilhas de calor urbano. lhas quentes, mas zero paradisíacas!

Os prédios em que vivemos são feitos de cimento. As escolas em que estudamos e os hospitais a que recorremos também. Temos ainda as estradas, com pavimentos feitos deste material de construção, que nos permitem chegar a qualquer lado. A criação do cimento foi revolucionária: permitiu erguer cidades e unir o mundo. Mas tem também um lado perverso: a sua utilização massiva acarreta um número significativo de problemas, que põem em causa a saúde do planeta e a saúde da população. Ilhas de calor urbano, já ouviu falar?
Trata-se do aumento da temperatura nas áreas urbanas, fruto de dois principais aspetos. Primeiro, da acumulação de calor provocada pelos materiais que edificam as cidades. Facilmente conseguirá perceber: se caminhar descalço numa estrada exposta ao sol, é possível que sinta os pés a queimar, certo? Isso acontece porque o cimento é capaz de absorver e reter esse mesmo calor. Agora, imagine este fenómeno numa escala infinitamente maior. Só para ter uma ideia: estima-se que, atualmente, 70% da população mundial viva em estruturas total ou parcialmente feitas de cimento.
O outro motivo tem que ver com a forma como nos movemos: o calor emanado pelos motores de veículos também faz aumentar a temperatura nas cidades. Segundo a Agência de Proteção Ambiental americana, a combinação destes dois aspetos potenciam o aumento das temperaturas, nas cidades, em mais de cinco graus centígrados.
Todos os anos, no verão, assistimos aos alertas relacionados com o excesso de calor. Em Paris, o “canicule” — nome que se atribui às ondas de calor — levou à criação de planos de contingência. Em agosto de 2020, por exemplo, com as temperaturas máximas a atingirem os 31 graus nesta cidade, a câmara da capital francesa, em conjunto com as autoridades policiais e de saúde, acionou o nível 3 deste plano que inclui várias medidas — desde a sensibilização de todos os estabelecimentos de saúde e, em particular, dos estabelecimentos de acolhimento de idosos e pessoas com deficiência, a manter em funcionamento 14 casas de banho e chuveiros municipais, assim como 1.200 fontes com água potável distribuídas pela cidade.
Ilhas de calor urbano fazem mal ao planeta e à nossa saúde.
E é assim, vivendo imersos nestas ilhas de calor urbano que são as cidades, que no verão evitamos sair de casa nas horas em que as temperaturas estão mais elevadas. Mas esta subida dos termómetros não é só desconfortável. A realidade é que também mata. Nos Estados Unidos, por exemplo, o calor tira mais vidas do que os tornados, furacões, relâmpagos e tremores de terra todos juntos. Em 2020, no Brasil, o Instituto Nacional de Meteorologia alertou para o “risco de morte por hipertermia” devido às elevadas temperaturas que se fizeram sentir na região de Tocantis, no centro-oeste. E, em Portugal, todos os anos há o mesmo alerta: o calor põe em risco a vida dos mais idosos. E não parece estar a melhorar: investigadores do Clime Impact Lab avançam que os últimos seis anos foram os mais quentes de sempre e prevêem que a mortalidade no final do século atinja as 73 mortes por 100 mil pessoas devido ao calor — um número que corresponde aos valores atuais de mortes por doenças infecciosas.
A utilização massiva do cimento cria ainda um outro grande problema ambiental. Se a indústria do cimento fosse um país, seria a terceira maior emissora de dióxido de carbono do mundo, depois da China e dos Estados Unidos. A produção deste material corresponde a entre 5 a 10% das emissões totais em todo o mundo, transformando-a na terceira maior fonte de aquecimento global, atrás apenas das fábricas de carvão e dos veículos com motor de combustão. Mais: por ter como material base a areia, e de forma a corresponder às volumosas necessidades da indústria, são retirados milhares de milhões de toneladas de areia dos ecossistemas — desde leitos de rios, fundos de lagos e praias. O resultado é a morte da fauna que habita esses locais, sem esquecer o colapso das margens dos rios.
O mundo precisa de mais terra.
Depois da água, o cimento é a segunda substância mais utilizada em todo o mundo. A dependência desta substância é enorme e a sua diminuição ainda não está à vista. É que o número de pessoas a viver em cidades está a aumentar – todos os anos são aproximadamente mais 78 milhões, diz a Divisão de População das Nações Unidas. De acordo com a revista “Time”, é o equivalente a acrescentar anualmente nove cidades de Nova Iorque ao planeta. Além disso, o cimento não é indestrutível, o que faz com que as construções feitas deste material tenham tempo de validade. Em todo o mundo, até 100 mil milhões de toneladas de estruturas mal fabricadas de cimento podem precisar de ser substituídas nas próximas décadas, o que acarreta um custo coletivo de triliões de dólares.
A utilização de cimento não pode cessar, tendo em conta a utilidade deste material para a construção. Contudo, é preciso pensar em alternativas mais sustentáveis que não ponham em perigo a vida do planeta e a vida humana e que combatam as ilhas de calor urbano, fazendo frente aos efeitos da utilização massiva dos materiais sintéticos — particularmente duros para cidades em que os climas já são muito húmidos. Mas como? Deixamos várias soluções. Mas com uma ressalva: as cidades são todas diferentes, com caraterísticas geográficas e urbanas específicas que fazem com que não haja uma fórmula estanque para a diminuição do calor nas cidades. É preciso ver caso a caso, agir em diferentes frentes e conjugar várias soluções, tendo em conta que há alternativas que são benéficas para alguns locais, ao passo que noutros pontos geográficos podem até surtir efeitos menos positivos.
- Mais árvores.
Uma das soluções mais simples para reduzir as temperaturas destas ilhas de calor urbano passa pela criação de mais zonas com sombras, fornecidas por árvores. Esta medida foi implementada, por exemplo, em Melbourne, na Austrália, país muito sacrificado pelo calor. O projeto tem como meta subir de 22 para 44% o número de árvores até 2040, sendo plantadas cerca de 3 mil novas árvores anualmente. Mas é preciso mais, porque a solução não é abrangente o suficiente — basta pensar que não é possível colocar árvores no meio de estradas ou em propriedades privadas. Até porque a plantação exaustiva de árvores no meio citadino também pode trazer problemas, nomeadamente, de segurança (há menos visibilidade), risco de incêndio e o desperdício de água. - Outros materiais na construção do pavimento.
Entram aqui as estradas verdes: têm uma superfície com terra, mais porosa, que permite que a água entre, o que, por sua vez, vai permitir o crescimento de relva, reduzindo-se assim o calor absorvido pela estrada. Não podendo ser solução para uma autoestrada, pode ser uma alternativa às vias em que há menos movimento. - Telhados e fachadas verdes.
Os princípios das estradas verdes podem ser replicadas noutras superfícies responsáveis por acumular calor, como as fachadas, telhados e terraços dos edifícios — onde facilmente pode até ser incorporada uma horta. Além de absorverem significativamente menos calor, dão um aspeto muito mais bonito às cidades. Imagine: telhados e fachadas cobertas de vegetação. Em Sydney isto já acontece: existem já cerca de 100 prédios com telhados e fachadas verdes. É uma solução dois em um: além de contribuir para a redução do calor da cidade, reduz o calor dentro do próprio edifício, diminuindo também as necessidades de ar condicionado. No entanto, poderá ter um lado negativo, em algumas partes do mundo: poderá aumentar ainda mais os níveis de humidade. - A cor do pavimento.
Sabe a lógica de vestir cores mais claras no verão para não absorver o calor? Com o pavimento é igual: o mais escuro acumula mais calor, ao passo que o mais claro reflete-o. - Os nossos hábitos. Este passo é transversal em qualquer parte do mundo. Os nossos hábitos também emanam calor e contribuem consideravelmente para as ilhas de calor urbano. A utilização excessiva de carros é um dos principais motivos. E o recurso a sistemas de refrigeração é outro.
